Sexismo benevolente: uma antiga e sutil armadilha ou mais um “mimimi”?

Frases como “essa moça cozinha bem, já pode casar” ou “primeiro as damas” podem ser prejudiciais às mulheres, ou é exagero?

Stael Ferreira Pedrosa

Recentemente me deparei com uma expressão que me chamou a atenção: sexismo benevolente.  Trata-se de um sexismo velado, quase imperceptível, que se apresenta como preocupado com o bem-estar das mulheres, fomentando sua posição de “sexo frágil”, ou de alguém que precisa da proteção masculina ou da aprovação destes para se firmar como ser social.

O sexismo benevolente, segundo autores, manifesta-se por meio de sentimentos e condutas positivas em relação a mulher, como, por exemplo, a afirmação de que o homem não pode viver sem a mulher, na visão idealizada da mulher como objeto romântico e nas atitudes de reverência e proteção a seu papel de mãe e esposa.

Muito sutil

É realmente difícil e, confesso, custou-me um pouco, compreender a sutileza em que o sexismo é perceptível e expresso a partir de expressões ou comportamentos. Frases como: “já pode casar”, referindo-se às habilidades femininas como direcionadas unicamente ao casamento, “mulheres são delicadas como uma flor”, ou “isso não é trabalho para mulheres”, a princípio sempre me pareceram como elogios ou um genuínos interesse e preocupação masculinos em relação à mulher e que nada tinha de nocivo.

No entanto, a ciência (não apenas os movimentos feministas) tem verificado que tanto o sexismo hostil – o machismo misógino que é francamente agressivo – quanto o sexismo benevolente trazem três diferentes componentes em comum: o paternalismo, a diferenciação de gênero e o heterossexualismo.

O paternalismo

O paternalismo se refere a uma tendência masculina de interagir com a mulher como um pai o faria, tomando ao mesmo tempo duas formas de poder: uma figura de autoridade – a do pai dominador, que configura o sexismo hostil e do provedor e protetor, que configura o paternalismo benevolente.

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Susan Tufts Fiske, professora de Psicologia e Relações Públicas no Departamento de Psicologia da Universidade de Princeton nos Estados Unidos e Peter Glick, escritor e pesquisador de Psicologia social de gênero, concluíram em suas pesquisas que o sexismo benevolente, ao se apresentar às mulheres como tratamento protetor e gentil, como demonstração de afeto (sendo, portanto bem visto e aceito por parte destas) não é algo totalmente positivo, pois, embora a mulher não seja defraudada, mas ao contrário, protegida e amada, ele tem sua base na ideologia subjacente ao sexismo hostil (a mulher é mais fraca, portanto, inferior, e por isso precisa ser cuidada e protegida ou subjugada).

Isso quer dizer, de forma sucinta, que ambos, tanto o sexismo hostil quanto o benevolente, veem a mulher como um ser mais frágil, mais dependente da força masculina, justificando o poder masculino e aumentando a desigualdade de gêneros.

A mulher no pedestal de areia

O sexismo benevolente também prioriza a mulher como ser detentor da beleza ou a quem um homem deva adorar. Isso cria na mulher uma dependência da aparência para se firmar como pessoa apta ou não a ser amada, a ser feliz e ter sucesso, a partir de seus atributos físicos, ao invés de sua competência. Exemplos claros se apresentam em todos os níveis sociais e nas mais diversas esferas de poder, até mesmo na política, onde a mulher é vista muito mais por sua aparência.

Daí surgem apelidos como “Miss Piggy”, direcionado à deputada Joyce Hasselmann, “tia do cafezinho”, dirigido à então senadora Regina Souza, por ser mulher e negra, e até mesmo a ministra Carmen Lúcia já reclamou de desrespeito por parte de seus colegas homens, que a interromperam em seu raciocínio em plenário. Dilma Rousseff também foi vítima do sexismo em expressões que tinham mais a ver com o fato de ser mulher, que de ser alguém da política, com comentários do tipo: “ninguém quer dialogar com a Sra. vai lavar uma boa pia de louças vá!!”. Tais comentários, apelidos ou desrespeitos geralmente não são endereçados aos homens, que por pior que seja sua aparência, são visados mais por seus comportamentos, competências ou a falta destas. É muito comum julgar-se uma mulher primeiro por seu gênero antes de sua competência.

Como as mulheres reagem?

Normalmente, as mulheres rejeitam o seximo hostil, já que este é claro e com contornos definidos, mas aceitam o sexismo benevolente, tanto ou até mais que homens, por lhes proporcionar proteção, admiração e afeto masculino. De acordo com Maria Cristina Ferreira, o sexismo benevolente seria, portanto, uma forma de levar a mulher a aceitar o maior poder estrutural dos homens e ainda se sentir recompensada por isso, já que esse poder estaria servindo para lhe proteger.

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O lado mais sombrio

Outra forma (mais nociva) em que o sexismo benevolente se apresenta na atualidade é através da negação de que haja discriminação contra a mulher. Recentemente uma reportagem do Jornal Hoje trouxe uma matéria dizendo que as mulheres, no geral, têm salários 25% menores que os homens ao desempenharem as mesmas funções e terem a mesma responsabilidade. No entanto, ainda é muito comum ouvir frases como: as mulheres já conquistaram tudo o que poderiam conquistar, ou as mulheres estão em todas as funções. Esse talvez seja o lado mais sombrio do sexismo benevolente, já que aponta para o fim das lutas femininas, afinal, a luta já acabou, as mulheres venceram e não há mais por que lutar.

E você? O que pensa de tudo isso? Acha que é válido ou é só mais um “mimimi” feminino?

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Stael Ferreira Pedrosa

Stael Ferreira Pedrosa é pedagoga, escritora free-lancer, tradutora, desenhista e artesã, ama literatura clássica brasileira e filmes de ficção científica. É mãe de dois filhos que ela considera serem a sua vida.