Querido pai: Sobre AQUELA criança

Carta de uma professora ao pai da criança que todo dia chega em casa com uma história sobre AQUELA criança. Leia o que todo professor gostaria de dizer aos pais.

Amy Murray

Este artigo foi originalmente publicado no blog Miss Night’s Marbles, republicado aqui com permissão, traduzido e adaptado por Sarah Pierina.

Querido pai:

Eu sei. Você está preocupado. Todo dia, seu filho chega em casa com uma história sobre AQUELA criança. Aquela que está sempre batendo, empurrando, beliscando, arranhando e até mesmo mordendo outras crianças. Aquela que sempre precisa segurar minha mão no corredor. Aquela que sempre tem um lugar especial no tapete, e às vezes se senta em uma cadeira em vez do chão. Aquela que teve que sair da sala de brinquedos, porque brinquedos não foram feitos para ser jogados nos outros. Aquela que escalou a cerca do parquinho exatamente enquanto eu dizia para ela parar. Aquela que derramou o leite de seu colega no chão em um acesso de raiva. De propósito. Enquanto eu estava olhando. E depois, quando eu pedi para que ela limpasse, acabou com o rolo de papel toalha inteiro! De propósito. Enquanto eu observava. Aquela que soltou PALAVRÕES de verdade na aula de educação física.

Você está preocupado que essa criança esteja prejudicando a experiência de aprendizagem de seu filho. Você está preocupado que ela ocupa muito do meu tempo e energia, e que seu filho não receberá a atenção necessária. Você está preocupado que ela irá machucar alguém de verdade algum dia. Você está preocupado que esse “alguém” seja seu filho. Você está preocupado que seu filho talvez comece a usar agressão para conseguir o que ele quer. Você está preocupado que seu filho vá ficar atrasado academicamente porque talvez eu não consiga notar que ele está tendo dificuldades para segurar um lápis. Eu sei.

Seu filho, este ano, nesta turma, com esta idade, não é AQUELA criança. Seu filho não é perfeito, mas ele geralmente segue as regras. Ele é capaz de dividir brinquedos pacificamente. Ele não joga os móveis. Ele levanta a mão para falar. Ele trabalha quando é hora de trabalhar, e brinca quando é hora de brincar. Ele é confiável porque sempre vai direto para o banheiro e depois volta direto para a sala, sem travessuras. Ele nem conhece os palavrões. Eu sei.

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Eu sei, e eu também estou preocupada.

Eu me preocupo o tempo todo. Com TODOS eles. Eu me preocupo com o jeito que seu filho segura o lápis, com os sons das letras de outra criança, com a timidez daquele pequenino e com a lancheira sempre vazia daquele outro. Eu me preocupo que o agasalho do Lucas não seja quente o suficiente e que o pai de Talita grite com ela por escrever a letra B ao contrário. Me preocupo enquanto dirijo e enquanto tomo banho, estão sempre em minha mente.

Mas eu sei, você quer falar sobre AQUELA criança. Porque os Bs ao contrário de Talita não vão deixar seu filho com um olho roxo.

Eu quero falar sobre aquela criança também, mas há tantas coisas que eu não posso lhe dizer.

Eu não posso lhe dizer que ele foi adotado de um orfanato com 18 meses.

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Eu não posso contar que ele está em uma dieta de eliminação de possíveis alergias alimentares, e que por isso ele está com fome O TEMPO TODO.

Eu não posso lhe dizer que seus pais estão no meio de um divórcio horrível, e ele tem ficado com sua avó.

Eu não posso lhe dizer que eu estou começando a me preocupar com sua avó bebendo demais…

Eu não posso lhe dizer que a sua medicação para a asma faz com que ele fique agitado.

Eu não posso lhe dizer que sua mãe é uma mãe solteira, então ela (a criança) fica na escola a partir do horário que ela abre até o horário que a escola fecha e, em seguida, a viagem da escola até a casa leva 40 minutos, então ela (a criança) tem menos tempo de sono do que a maioria dos adultos.

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Eu não posso lhe dizer que ele foi testemunha de violência doméstica.

Tudo bem, você diz. Você entende que eu não possa compartilhar informações pessoais ou da família. Você só quer saber o que eu estou fazendo sobre o comportamento dessa criança.

Eu adoraria contar-lhe. Mas eu não posso.

Eu não posso dizer-lhe que ela recebe serviços fonoaudiólogos, que uma avaliação mostrou um grave atraso na linguagem, e que o terapeuta sente que a agressão está relacionada à frustração por ser incapaz de se comunicar.

Eu não posso dizer-lhe que eu tenho reuniões com seus pais TODA semana, e que ambos costumam chorar nessas reuniões.

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Eu não posso dizer-lhe que a criança e eu temos um sinal de mão secreto para me dizer quando ela precisa se sentar sozinha por um tempo.

Eu não posso dizer-lhe que ele passa a hora do descanso enrolado no meu colo porque “me faz sentir melhor ao ouvir seu coração, professora”.

Eu não posso lhe dizer que eu tenho rastreado seus incidentes agressivos meticulosamente, e que eles caíram de 5 incidentes por dia, para cinco incidentes por semana.

Eu não posso dizer-lhe que a secretária da escola concordou em deixar-me mandá-lo para o escritório para “ajudar” quando eu percebo que ele precisa de uma mudança de cenário.

Eu não posso dizer-lhe que eu estava em uma reunião de equipe e, com lágrimas em meus olhos, IMPLOREI aos meus colegas para ficar de olho nela, para serem gentis com ela, mesmo quando estão frustrados porque ela acabou de dar um soco em alguém DE NOVO, e desta vez, BEM NA FRENTE DE UM PROFESSOR.

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A questão é, há TANTAS COISAS que eu não posso lhe dizer sobre essa criança. Eu nem posso lhe dizer as coisas boas.

Eu não posso lhe dizer que o seu trabalho na sala de aula é regar as plantas, e que ele chorou desconsoladamente quando uma das plantas morreu durante as férias de inverno.

Eu não posso lhe dizer que ela dá um beijo de tchau em sua irmã bebê todas as manhãs, e sussurra “Você é o meu sol” antes da mãe empurrar o carrinho para longe.

Eu não posso lhe dizer que ele sabe mais sobre as tempestades do que a maioria dos meteorologistas.

Eu não posso lhe dizer que muitas vezes ela me pede para ajudar a apontar os lápis durante o recreio.

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Eu não posso lhe dizer que ela acaricia o cabelo de sua melhor amiga na hora do descanso.

Eu não posso lhe dizer que, quando um colega está chorando, ele corre com seu ursinho favorito do cantinho de histórias.

A questão é, querido pai, que eu só posso falar com você sobre o SEU filho. Então, o que posso dizer é o seguinte:

Se em algum momento, o SEU filho, ou qualquer um de seus filhos, se tornar AQUELA criança…

Eu não vou compartilhar seus assuntos familiares com outros na sala de aula.

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Eu vou me comunicar com você com frequência, de forma clara e gentil.

Eu vou me certificar de sempre ter lencinho por perto em todas as nossas reuniões e, se você deixar, eu vou segurar sua mão quando você chorar.

Eu vou advogar por seu filho e família, para que recebam os serviços especializados de melhor qualidade, e eu vou cooperar com esses profissionais da melhor forma que for possível.

Eu vou me certificar que seu filho receba mais amor e carinho quando ele mais precisar.

Eu vou ser uma voz para sua criança em nossa comunidade escolar.

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Eu vou, não importa o que aconteça, continuar a procurar, e encontrar, as coisas boas, surpreendentes, especiais e maravilhosas sobre seu filho.

Eu vou lembrar a você, PAI, dessas coisas boas incríveis maravilhosas e especiais, várias e várias vezes.

E quando outro pai vier a mim, com preocupações sobre o SEU filho…

Eu vou dizer-lhe tudo isso, mais uma vez.

Com muito amor,

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Professora.

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Amy Murray

Classroom teacher for 7 years, 5 of them in kindergarten, out-of-classroom teacher for 10 years before that, now in my second year in admin, overseeing some 200 students under the age of 6. I work at This School, in The City, in Canada. This School is private (it seems I have built a career working with children of privilege, but that is another story.) I work with a team of amazing teachers, assistant teachers, early childhood educators, and specialists. We laugh together A LOT, and when we cry, we never cry alone. Overall, I’m lucky, and I know that. This School has a maximum class size of 20. Our kids are properly fed and properly dressed and have very committed parents. My boss inspires and challenges me (in a good way) every day. The content we teach is extremely developmentally appropriate (and FUN!) for the ages of our students. That said, some days it is all I can do to keep all my marbles in one jar. And THAT, my friends, is where this blog comes in…