Menosprezo: uma das muitas maneiras pelas quais a violência fala

'A distância não separa as pessoas; a indiferença, sim.'

Erika Otero Romero

Não é preciso bater para ferir alguém. 

As palavras agressivas machucam,

o silêncio, a traição,

desprezo e indiferença machucam.”

Quando uma pessoa viaja, ela se dispõe a aprender inúmeras palavras e costumes que nunca viu antes. Foi o que aconteceu comigo em 2011, quando estava de passagem pelo Equador. Foi lá que ouvi pela primeira vez a palavra “ninguneo” [que significa tornar alguém um ninguém, menosprezar, ignorar]. Honestamente, ela não tinha muito significado para mim, até que alguém me fez ver que eu estava sendo vítima desse comportamento.

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O que é “ninguneo“?

É uma das muitas formas de dano emocional que podem ser causados ​​a uma pessoa. “Ninguneo” é uma atitude em que a pessoa afetada é desqualificada, seja pelo companheiro, pelos colegas de trabalho ou pela família.

É como punir alguém com indiferença, ignorando-o propositalmente para que se sinta diminuído. Suas palavras e opiniões não valem nada, porque, mesmo se você gritar, eles não ouvirão nem atenderão você; ele simplesmente não é ninguém, não existe.

O “ninguneonão passa de violência emocional. Quem age dessa maneira é cruel e tóxico,  busca fazer sua vítima saber que ele é superior e que ela “não vale nada”.

Ninguneado” ou “ninguneador“?

Sei que é uma palavra bem estranha, mesmo em espanhol. Apenas o fato de repeti-la em minha mente já é um absurdo pra mim. No entanto, tem muito significado porque, em algum momento, todos nós fomos menosprezados (ninguneado) e arrogantes (ninguneador).

Comecei este relato dizendo que em 2011 conheci essa palavra porque fui vítima de desprezo, e nem sabia! Eu estava com uma pessoa que nunca me defendia dos ataques de sua família; além disso, ele me ignorava e não levava em consideração minhas opiniões. Isso aconteceu comigo muitas vezes. O pior de tudo é que me conformei com as migalhas. Felizmente, aconteceram coisas que, hoje, deixam-me feliz, pois – como diz minha mãe – “melhor sozinha do que mal-acompanhada.”

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Também me ignoravam na minha infância. As pessoas me ignoravam repetidamente, fingindo que eu não existia. Eu também, às vezes, ignoro as pessoas; faço isso quando fico com raiva. Sei que isso não é correto, mas também sei, por experiência própria, o que isso faz o ignorante sentir.

A negligência nas relações conjugais

Se você é casado ou mora com o parceiro, sabe que ignorá-lo é a forma mais comum de “punir” os erros.

Um dia, vocês têm uma discussão porque ele se atrasou para uma reunião de família que era importante para você; então você decide que a melhor maneira de fazê-lo perceber o erro é ignorando-o. Vocês saem da festa e mesmo que ele fale com você, você finge que ele não existe. Ao chegarem em casa, ele quer se justificar e pedir desculpas pelo que aconteceu, mas você não dá importância, mesmo que esteja morrendo de raiva. Quando vão dormir, ele quer abraçá-la, mas você se afasta e vira de costas para ele. Então, você pode passar uma semana inteira até que talvez aconteça um milagre que a faça falar com ele.

Sim, é muito ruim ele ter se atrasado para a reunião, mas o que você deveria ter feito antes de “puni-lo” era descobrir o porquê de ele ter se atrasado para a festa.

Quando você cede à tentação de ignorar seu parceiro, está deixando seu relacionamento nas mãos do orgulho; e isso sempre leva à perda do que você ama.

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Dentro de uma casamento, sempre há quem aproveita a oportunidade para fazer o parceiro se sentir diminuído. Se estão com amigos e você diz algo, ele corrige você e a faz parecer uma idiota. Também manda você calar a boca, pois “tudo o que você diz é imprudente ou insensato”. É horrível viver com alguém assim.

O “ninguneo” social

Ocorre nas escolas entre crianças de todas as idades. Criaturas que, sem chegar a praticar bullying, insultos ou intimidação, “atacam” seus colegas ignorando-os. Alguns fazem aniversário, organizam uma festa para a qual convidam a todos, menos dois ou três colegas da turma, porque são “invisíveis”.

Colegas de trabalho que ignoram seus iguais por não os considerarem como tal. Em vez disso, eles são vistos como inferiores e, portanto, não têm importância, merecem ser ignorados.

Também acontece em grupos de “amigos”. Embora seja errado chamar alguém que trata uma pessoa dessa maneira de amigo, isso também acontece. Nesse círculo de amigos também pode haver aquele que se acha melhor e quer receber a atenção dos demais, exceto um; esse alguém que ele ou ela acha que não vale a pena, por não ser igualmente “atraente, inteligente ou engraçado”. É como se “não valesse a pena convidá-lo”.

A deterioração moral do “ninguneo

Não acho que preciso ser muito específica sobre isso. A pessoa que é vítima de indiferença emocional ou social sofre porque precisa ser notada. Não é uma questão de chamar a atenção para ganhar uma espécie de fama, não é isso. A questão é que ninguém quer ser desqualificado e anulado; é como morrer estando vivo.

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Além disso, quando uma pessoa é “punida com o látego da indiferença”, ela vai perdendo gradativamente a autoestima. É o mesmo que insultos ou agressão física, só que estes são agressões ativas. O ninguneo, por outro lado, é agressão passiva, mas talvez seja mais prejudicial, pois, para muitas pessoas, é mais difícil de superar.

Sei que é possível que você tenha estado em um dos dois lados em algum momento da vida. Se esteve, você sabe muito bem como é ser tratado como se não estivesse presente. Portanto, não o faça o mesmo com seus filhos, seu parceiro ou seus colegas de trabalho.

Agora, se você é vítima desse tipo de tratamento, peço que dê um basta nessa situação; valorize-se, seja inclusivo e se inclua. Quem maltrata você não o(a) merece. É justo que você se ame mais; caso contrário, você se perderá. Lembre-se: quando você ama a si mesmo, você se cerca de pessoas que saberão lhe corresponder.

Traduzido e adaptado por Erika Strassburger, do original El ninguneo: una de las tantas formas en que habla la violencia

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Erika Otero Romero

Erika é psicóloga com experiência em trabalhos comunitários, com crianças e adolescentes em situação de risco.