Ansiedade e depressão: herança da pandemia ou da qualidade de vida?
Depressão é uma doença multicausal, no entanto, os números cresceram durante a pandemia de Covid-19. Saiba por quê.
Stael Ferreira Pedrosa
Não é novidade para ninguém que a pandemia fez aumentar o índice de desenvolvimento de doenças mentais na população. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pandemia de COVID-19 desencadeou um aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo. A declaração emitida em março de 2022 é o resultado de várias pesquisas encomendadas pela OMS e faz parte de um chamado de alerta a todos os países para intensificar os serviços de saúde e apoio em saúde mental.
O resumo científico (texto em inglês) buscou responder às seguintes questões (entre outras não tratadas neste artigo):
- O impacto da pandemia na prevalência de sintomas de saúde mental e transtornos mentais
- O impacto da pandemia na prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas
- O risco de infecção, doença grave e morte por COVID-19 para pessoas que vivem com transtornos mentais
O impacto da pandemia na prevalência de sintomas de saúde mental e transtornos mentais
De acordo com o documento, os problemas de saúde mental afetaram tanto a população em geral quanto os trabalhadores da saúde, e algumas populações específicas, como pessoas com doenças físicas ou mentais pré-existentes, crianças e adolescentes – majoritariamente entre meninas – causando depressão e ou sintomas de ansiedade.
O impacto da pandemia na prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas
Em relação às taxas de automutilação e suicídio, não houve grandes alterações.
Uma revisão sistemática sobre o impacto da pandemia da COVID-19 na automutilação e no comportamento suicida comparou taxas de suicídio em alguns países, antes e durante a COVID-19. Nenhum de 22 países pesquisados relatou evidências de aumento das taxas de suicídio nos primeiros quatro meses da pandemia (abril-julho de 2020); e houve evidência de uma queda nas taxas em 12 países. Até o final de outubro de 2020, quatro outros países mostraram uma queda nas taxas de suicídio (México, Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Austrália).
Houve evidências de aumento de suicídios na Áustria, Japão (maioria mulheres abaixo de 40 anos) e Porto Rico. Outros estudos relataram uma queda na mortalidade por suicídio em partes da China, Índia e Estados Unidos. Análises de sete países forneceram evidências mais robustas e que não indicaram alteração ou diminuição nos óbitos por suicídio.
Acredita-se que a depressão e ansiedade se devam ao medo de perder a vida, o que, certamente não levaria ninguém a tirar a própria vida. No entanto, o medo de morrer de covid-19 pode ter levado algumas pessoas infectadas a tirar a própria vida.
Em 2021, dois estudos publicados mostraram aumento na mortalidade por suicídio no Nepal e na Índia. Não há muito o que se questionar a respeito das causas.
Mudanças bruscas no estilo de vida
Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), de 2021, apontou o Brasil, entre onze países, como o que tem mais casos de trabalhadores com problemas de saúde mental. Entre profissionais da saúde, exaustos pela luta contra a covid-19 percebeu-se a existência de pensamentos suicidas e ou síndrome de Burnout.
De acordo com a Fiocruz os casos de depressão aumentaram 90% e o número de pessoas que relataram sintomas como crise de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre os meses de março e abril de 2020. Entre as razões, foram relatadas o medo da contaminação, redução de postos de trabalho e desemprego como algumas situações desencadeadoras de depressão, ansiedade e outros danos psicológicos.
O estudo da USP cita ainda que o trabalho home-office e o luto de milhões de brasileiros que perderam entes queridos para a Covid-19 aumentaram o estresse, a ansiedade e a depressão na população.
Outros citam ainda como causa o isolamento social e o aumento do consumo de álcool e psicotrópicos durante o período.
Herança da pandemia ou da qualidade de vida?
Não há dúvidas de que a pandemia contribuiu muito para o aumento dos casos de doença mental entre a população mundial. No entanto, a pergunta que fica é por que, no Brasil, este efeito atingiu índices tão altos? A verdade é que não foi apenas na pandemia que o Brasil surgiu entre os maiores índices de prevalência de doença mental.
Em 2017, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontava o Brasil como o país com a maior prevalência de transtornos de ansiedade nas Américas: o problema afetava 9,3% da população, o equivalente a 18,6 milhões de pessoas. Transtornos depressivos foram relatados por 5,8% dos brasileiros, ou 11,5 milhões de pessoas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos,com índice de 5,9%.
De acordo com Helena Junqueira, gerente de pesquisas digitais do Instituto Ipsos, em entrevista à BBC, esse já era um problema aqui no Brasil que a pandemia veio piorar. Segundo o neurocirurgião Fernando Gomes, as causas da depressão podem ser multifatoriais, incluindo componentes genéticos, bioquímicos e eventos traumáticos (como os vivenciados na pandemia). Entre os fatores de risco estão transtornos psiquiátricos, estresse crônico, disfunções hormonais, alcoolismo e uso de drogas, além de doenças crônicas.
Como se vê, mesmo nos últimos anos antes da depressão, os casos de depressão já eram altos no Brasil, o que a pandemia veio piorar. Portanto, pode-se atribuir tanto a pandemia quanto a qualidade de vida do brasileiro como causa dos altos números de doenças mentais no país.
Depressão e ansiedade são doenças graves que podem levar ao desenvolvimento de outras doenças e ao suicídio, em muitos casos. Caso sinta tristeza que não passa, desânimo recorrente, perda de interesse por atividades que antes gostava, bem como tremores, mãos frias e medo sem explicação, procure ajuda médica. Pode ser depressão ou ansiedade.