Veja como este ex-borracheiro tornou-se juiz de direito no Distrito Federal

Superação, disciplina e persistência. Essas são algumas das lições que o recém juiz tem para nos ensinar.

Caroline Canazart

Melhorar de vida, esse era o objetivo do ex-borracheiro e ex-lavador de carros, Rolando Valcir Spanholo, 38 anos, que hoje é juiz federal em Brasília.

A vida dele nunca foi fácil, com nove anos ele e os irmãos já ajudavam o pai consertando pneus e lavando carros.

Gaúcho da cidade de Sananduva, Rio Grande do Sul, sofria com as baixas temperaturas do inverno. “No frio as mãos e os pés ficavam quase sempre congelados. Não tínhamos luvas de borracha e outros equipamentos de proteção que hoje são comuns e obrigatórios. Só restava fazer muito fogo para se aquecer, mas, com isso, os choques térmicos eram inevitáveis. Vivíamos com fissuras nas mãos e pés”, conta.

O estudo sempre foi algo importante para a família pois acreditavam que, apenas com educação, poderiam mudar de vida. Ele e mais quatro irmãos entraram para uma faculdade de direito que ficava 250 quilômetros de distância de sua cidade.

E também não foi uma fase fácil. Os estudos foram pagos com muito trabalho. Os irmãos aprenderam a costurar cortinas e edredons e a fazer bordados. Quando tirou a habilitação para dirigir, Spanholo virou vendedor. “Era um desafio diário. Saía sempre cedinho, rodava o dia todo, batendo de porta em porta pelos municípios da região”, conta. Para economizar, o agora juiz, levava marmita e comia dentro do carro fatias de pão caseiro e um pedaço de frango empanado ou uma torrada preparada pela mãe. A bebida era água levada numa garrafa pet.

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Por conta do trabalho ele faltava na faculdade, pelo menos, duas vezes por semana. Mas mesmo assim recebia ajuda dos colegas. “Na verdade só consegui levar adiante a graduação porque meus colegas conheciam minha realidade e sempre me emprestavam os cadernos para copiar ou tirar xerox das suas anotações”, lembra Spanholo. Ele disse ainda que os horários de estudos dele eram nas viagens de ida e volta da faculdade e aos domingos. Os sábados eram utilizados para fazer vendas em cidades mais distantes.

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A ideia de fazer um concurso para ser juiz veio apenas no fim da faculdade e por influência de um professor. Até então, para ele, a graduação em direito já era um grande passo.

Com 22 anos ele participou da seleção para a Escola Superior da Magistratura e foi aprovado. Começava mais uma fase de desafios. Spanholo teria que estudar de segunda a sexta-feira em Porto Alegre, 400 quilômetros da cidade em que morava, e trabalhar nos finais de semana em escritórios.

Depois do curso, ele chegou muito próximo de passar em concursos para promotor, procurador, juiz do trabalho e juiz estadual, tudo entre os anos de 1999 e 2003.

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Já casado, ele teve que desistir para ficar ao lado da esposa que tinha acabado de ganhar bebê. “Tínhamos o filho pequeno, e, em uma decisão muito difícil, conjuntamente, optamos por ‘adiar’ meu sonho de ser magistrado”, diz.

Em 2010 a decisão foi de voltar e tentar uma vaga na área federal. Rolando afirma que foi muito difícil e que reprovou em muitos concursos. Assim, ele precisou procurar uma forma que melhor se adaptasse para voltar aos estudos. “Logo percebi que não conseguiria frequentar cursos preparatórios, estudar por ‘doutrina pesada’ etc. Sentia que precisava arriscar estratégias próprias, moldadas na minha realidade. Experimentei várias. Umas deram certo, outras nem tanto”, conta.

Ao fazer resumos e estudar provas antigas ele acumulou, nos quatro anos de estudo, mais de 200 quilos de papel. Eles foram encaixotados em 34 caixas e enviados para a reciclagem.

Vídeos motivacionais também foram importantes para que Spanholo pudesse manter um equilíbrio emocional. Toda essa preparação foi importante para o dia em que ele teve que passar pela prova oral, um teste feito por cinco pessoas, onde ele precisava falar sobre conhecimentos de todas as áreas do direito. Antes da prova foram seis horas de confinamento em uma sala.

“Nada nunca chegou fácil. Por necessidade, treinei minha mente para acreditar que com humildade, disciplina e motivação era possível vencer um a um os desafios da vida, mesmo não dispondo das melhores condições para enfrentá-los. Sempre fui à luta. Nunca esperei que os outros viessem me dizer o que eu poderia e o que eu não poderia ser. Definia meus objetivos e passava a identificar o que precisava ser feito para atingi-los”, disse em entrevista.

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O resultado da aprovação para o Tribunal Regional Federal saiu em novembro de 2014, e Spanholo ficou entre os 60 primeiros classificados.

“A vida sempre me ensinou que dificuldades existem para serem superadas. Aliás, dificuldades todos têm. Uns mais, outros menos, mas todos enfrentam obstáculos para alcançar seus sonhos. O que diferencia as pessoas é exatamente a forma como elas reagem diante das resistências do cotidiano. Uns se acovardam e se deixam dominar. Outros veem nas dificuldades grandes oportunidades de crescimento, de evolução pessoal”, afirma.

O magistrado diz que muitas pessoas o procuram por causa de sua história de superação e o veem como uma prova de que também podem superar os seus limites.

“Procuro sempre mostrar que, de fato, se um ex-borracheiro e ex-lavador de carros conseguiu, é porque qualquer outro também poderá ser juiz federal ou que quiser ser na vida. Basta ter disciplina, persistência, espírito de superação e, principalmente, acreditar no próprio potencial”, finaliza.

_Imagens: Rolando Valcir Spanholo

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Caroline Canazart

Caroline é uma jornalista catarinense que optou por ser mãe em tempo integral depois do nascimento dos filhos. Ama escrever e ainda acredita que pode mudar o mundo com isso.