Mulheres ajudando mulheres: como U$2 (ou R$ 4,00) podem salvar vidas de mães e bebês nos países em desenvolvimento

Todos os anos, 57 milhões de mulheres no mundo inteiro dão ? luz sem a ajuda de profissionais de saúde treinados, são circunstâncias em que o risco de infecção é extremamente elevado

Mercedes White

Se há uma coisa que toda mãe sabe, é que os bebês chegam a seu próprio tempo. E nenhuma sabe disso melhor que Tewabech Kutambo, de 30 anos, que vive em uma pequena aldeia chamada Lahyte, a 600 km ao sul da capital da Etiópia, Addis Abeba.

Não há água em Lahyte. Para ter água para beber, cozinhar, limpar-se (não lavar-se), as mulheres saem antes do sol se levantar e caminham por duas horas até o Rio Orbole. Enchendo seus recipientes com água, tanto quanto puderem levar, elas fazem a caminhada de duas horas de volta para suas casas sob o escaldante sol africano.

É uma tarefa que não pode ser adiada ou negligenciada, não importa quão cansada ou doente a mulher esteja – ou se está grávida. A família de Tewabech depende dela, e se ela não coletar a água, a família dela não come nem bebe.

Certa manhã, quando já estava com quase nove meses de gravidez, Tewabech partiu sozinha para coletar água para a sua família. Ela estava exausta. Sentia dores agudas de lado. Mas suportou o desconforto durante a caminhada até o rio.

Quando fazia seu caminho de volta, com os recipientes de água em seus braços, a dor se tornou insuportável. Seu bebê estava chegando.

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Tewabech deu à luz seu bebê, uma menina, sozinha na beira da estrada. Ela usou um pouco da água que tinha consigo para limpar a si mesma e ao bebê. Então, depois de descansar um pouco, levantou-se e, com seu bebê em uma mão e as latas de água na outra, fez seu caminho de volta para casa.

A história de Tewabech, contada por David Winder, diretor-executivo do grupo Wateraid sem fins lucrativos, não é incomum. Todos os anos, 57 milhões de mulheres no mundo inteiro dão à luz sem a ajuda de um profissional de saúde treinado, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. “É frequentemente comum que deem à luz no chão de terra de suas casas”, enfatiza Dana Allison, diretora-executiva da Iniciativa Mundial de Saúde da Mulher.

Nessas condições, o risco de infecção para as mães e bebês é extremamente elevado. E nos países em desenvolvimento, onde o acesso aos antibióticos é limitado, as infecções costumam ser fatais. Neste sentido, Tewbech e sua filha tiveram sorte. Embora o parto tenha sido traumático, nenhuma das duas contraiu qualquer infecção.

Mas muitas mulheres e crianças em circunstâncias semelhantes não são tão afortunadas. A Organização Mundial de Saúde estima que meio milhão de mulheres por ano morrem de infecções associadas ao parto. Cerca de um milhão de recém-nascidos morrem a cada ano por infecções.

Para resolver esse problema, as organizações de ajuda humanitária tomaram a iniciativa de distribuir kits para um parto limpo a mulheres em locais de baixa renda em todo o mundo, como Moçambique, Tibete e Índia. Esses grupos de ajuda, juntamente com os defensores da saúde das mulheres, esperam que, fornecendo às gestantes alguns itens básicos de higiene em um pequeno pacote portátil, poderá diminuir significativamente o risco de infecções para as mães e os recém-nascidos.

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“Quando as mulheres nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, descobrem que estão grávidas, se animam a pensar sobre qual será o nome do bebê ou com quem o bebê será parecido”, disse Paula Dhanda, uma das ginecologistas e fundadora da ONG mundial Mãos que Curam, com sede na Califórnia que trabalha para melhorar a saúde materna e infantil nos países em desenvolvimento. “As mulheres nos países pobres têm muito medo”, disse Dhanda. “Será que vou sobreviver ao parto? Será que o meu bebê sobreviverá?”.

“A importância dos kits do parto limpo e práticas de higiene no parto não podem ser subestimadas”, disse Allison. “Mas conseguir atenção e apoio para esses projetos é difícil.”

“Já que não enfrentamos constantemente esses problemas no Ocidente, é uma questão difícil para as mulheres ocidentais se identificarem com essa situação”, disse ela.

Mulheres e bebês no Ocidente quase nunca morrem de complicações relacionadas ao parto, de acordo com Allison. “Mas qualquer mulher que tenha tido uma cesariana ou a assistência de um médico usando um aspirador ou uma pinça para facilitar o parto deve compreender que se não fosse por essas intervenções, elas poderiam morrer também.”

Parto limpo

Os kits de parto limpo normalmente contêm seis itens: uma barra de sabão, um pedaço de plástico para forrar o chão na hora do parto, uma lâmina de barbear para cortar o cordão umbilical, barbante limpo para amarrar o cordão umbilical, gaze, luvas e uma folha de papel com instruções desenhadas que ilustram a sequência do parto e a lavagem adequada das mãos.

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Uma pesquisa realizada pela USAID, na Tanzânia, mostra o impacto positivo dos kits de saúde para as mulheres e crianças. Em um estudo envolvendo 3.200 participantes, incluindo alguns que usaram os kits e alguns que não, a organização constatou que as mulheres que usaram os kits foram significativamente menos propensas a desenvolver infecções do trato genital, e seus bebês menos propensos a desenvolver infecções do cordão umbilical. USAID estima que se os kits de parto limpo fossem usados em 90 por cento dos partos em casa, salvaria a vida de 6.300 mulheres e 102 mil recém-nascidos a cada ano.

Por seu potencial incrível para melhorar os resultados de saúde de mães e bebês, os kits de parto limpo têm um preço insignificante: dois dólares. Enquanto os preços variam ao redor do mundo, a maioria dos americanos poderia pagar por um kit sem o menor esforço.

Dois dólares abrangem não só o custo dos materiais no kit, mas também o custo de montar o próprio kit. Danielle Ehret, uma médica neonatal e perinatal residente no Hospital Infantil de Boston, trabalha com uma organização chamada Ayzh para distribuir kits de parto limpo em Bangladesh. Ayzh, explica a médica, tomou a iniciativa de montar os kits localmente como uma forma de criar oportunidades de trabalho para as mulheres que de outra forma teriam dificuldade para encontrar um emprego remunerado. Dessa forma, o programa do kit parto limpo de sua organização está ajudando as mulheres em uma série de níveis.

Dhanda, que começou a distribuir kits de parto limpo em todo o mundo através da ONG Mãos que Curam, percebe que modificações precisam ser feitas nos kits enviados para diferentes países a fim de acomodar práticas e crenças locais.

“No Nepal, é tradição cortar o cordão umbilical com uma moeda”, Dhandra disse, “mas o dinheiro é a coisa mais suja por lá e usá-lo pode levar uma infecção ao bebê.”

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Por respeito ao costume nepalês, Dhandra tem buscado meios de substituir as lâminas de barbear por rúpias (moeda local) de plástico esterilizado.

“Tudo o que as mulheres ao redor do mundo precisam ter na hora do parto o kit já traz. Nós não temos de inventar nada”, disse Dhanda. “Ouvir o que as mulheres precisam e compreender as suas tradições e práticas é essencial para que o projeto seja bem-sucedido”, disse ela.

Obstáculos para distribuição

Enquanto kits de parto limpo representam uma maneira fácil e eficaz de melhorar as taxas de mortalidade materna e infantil, não tem havido incentivos para esse projeto, de acordo com Jim Patell. Patell é um professor de Stanford, que ensina uma disciplina popular chamada Design para acessibilidade extrema em que os alunos produzem dispositivos médicos de baixo custo para uso em países em desenvolvimento.

Uma das consequências da quinta das Metas de Desenvolvimento do Milênio (ONU), que trata da mortalidade infantil e materna, é que há um esforço no sentido de conseguir que as mulheres tenham seus partos em hospitais, em vez de em casa, essa é uma orientação que limita os recursos para fazer e distribuir os kits de parto limpo.

Allison tem visto isso em primeira mão em seu trabalho com a Iniciativa Mundial de Saúde das Mulheres no Senegal. Ela conta a história de uma ONG japonesa bem-intencionada que construiu um hospital avançado com tecnologia de ponta em uma aldeia central, na área em que ela trabalha. “O hospital é equipado com as mais recentes máquinas de raios-X e ultrassom”, disse Allison, mas “está lá trancado e vazio porque não há profissionais de saúde qualificados nem equipe de Tecnologia da Informação e as pessoas não têm meios para pagar a assistência.”

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Nem Patell, nem Allison se opõem a partos hospitalares. “É empiricamente verdade que as mulheres que dão à luz em hospitais estão em melhor situação”, disse Allison, mas às vezes é “infraestruturalmente impossível para elas o acesso a um hospital.” Por exemplo, durante a estação chuvosa no Senegal, 40 por cento das aldeias ficam isoladas dos centros urbanos que é onde os hospitais estão localizados.

Dhanda tem visto problemas semelhantes em seu trabalho no Nepal. O governo local oferece às mulheres uma pequena quantia em dinheiro para o parto em instalações médicas aprovadas. No entanto, Dhanda conheceu mulheres que vivem a três dias de distância do hospital mais próximo. Mesmo que largassem tudo no momento em que entram em trabalho de parto, muitas acabariam por dar à luz no caminho para o hospital.

Mesmo quando os hospitais são acessíveis, a falta de conscientização sobre os sinais do trabalho de parto dificulta a percepção da chegada do bebê e que muitas vezes leva pouco tempo entre o momento em que uma mulher percebe que está tendo um bebê e quando o bebê já está em seus braços. Por exemplo, as mulheres nos países em desenvolvimento muitas vezes nem sequer percebem quando sua bolsa se rompe.

“Muitas vezes são desnutridas e desidratadas, então simplesmente não há uma grande quantidade de líquido amniótico”, disse Allison. Quando você combina isso com o fato de que em muitos desses lugares é quente e as mulheres estão suando em bicas, é fácil ver como sinais de parto podem passar despercebidos.

Allison e Patell gostariam de ver as organizações de ajuda se concentrarem mais em soluções baseadas na experiência de campo, de quem já conhece o terreno, e o que fazer quando se trata de mulheres que dão à luz no mundo em desenvolvimento.

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“Meu pai era um jogador de golfe”, disse Patell, “e ele me ensinou que você tem que jogar a bola de onde você se encontra.”


Para os interessados em contribuir com a iniciativa do kit parto limpo, há várias organizações que os distribuem.

Fundo das Nações Unidas para Atividades Populacionais

Centra-se na distribuição de kits de parto limpo em regiões de conflito e campos de refugiados. Citação da website do Fundo: “Numa situação de crise uma em cada cinco mulheres em idade fértil estará provavelmente grávida. Os conflitos e as catástrofes naturais colocam essas mulheres e seus bebês em risco por causa da perda repentina de apoio médico, agravado em muitos casos por trauma, desnutrição ou doenças e exposição à violência.” Uma doação de US $ 11 abrange o custo de kits de parto limpo para três dessas mulheres. O grupo também oferece opções para os doadores financiarem uma parteira ou comprar suprimentos para as clínicas. Doações são aceitas on-line em http://www.globalgiving.org/projects/unfpa-clean-birthing-kits/

ONG Mundial Mãos que Curam

Essa organização foi criada por Paula Dhandra, ginecologista sediada no estado da Califórnia (EUA). A organização de Dhandra fornece kits de parto limpo para as mulheres no Haiti, Chade e Nepal. Cada kit custa dois dólares. A organização de Dhandra também se concentra na formação das mulheres locais, como parteiras. “Nós ensinamo-lhes sobre o que é normal e, em seguida, o que fazer quando as coisas não parecem normais”, disse Dhandra. A doação de 300 dólares cobre o custo de treinar uma mulher para ser uma parteira para a aldeia. Além de ajudar nos partos, as parteiras aprendem a medir a pressão arterial, como saber se um bebê está sentado, o que fazer se a mulher está com hemorragia e como ajudar um novo bebê a respirar. Para mais detalhes sobre a doação para o Mãos que Curam, visite http://www.worldwidehealinghands.org/how-you-can-help.html

Ayzh

Ao contrário de organizações que são sem fins lucrativos, Ayzh é um empreendimento social, com fins lucrativos que opera em Bangladesh. A organização vende kits de parto limpo a baixo custo para dois diferentes grupos de clientes: as instituições médicas, que revendem os kits para as mulheres, e organizações sem fins lucrativos, que então fornecem esses kits para as mulheres de forma gratuita. A organização utiliza um modelo de negócio empresa a empresa permitindo-lhes ter um melhor acesso às mulheres que buscam ajuda. Os kits também custam cerca de dois dólares o que inclui o custo de materiais e mão de obra para montar os kits. Para mais informações ou dúvidas de parceria de negócio, contatar a organização pelo site http://www.ayzh.com/

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Faça você mesmo

Reúna-se com amigos e faça seus próprios kits de parto limpo para enviar para as mulheres nos países em desenvolvimento. Adriel Booker, um blogueiro com sede na Austrália, coleta kits parto limpo pré-montados. Ele doa os kits para o MedicalShip, uma organização que envia suprimentos médicos para Papua Nova Guiné, onde uma em cada sete mulheres morrem durante o parto. Cada kit deve conter o seguinte:

1. Sabão

(para a parteira lavar as mãos). Use um sabonete no tamanho dos que são distribuídos em hotéis ou corte uma barra regular de sabão em pedaços. (Para facilitar o corte coloque a barra no micro-ondas por 30 segundos).

2. Um par de luvas de plástico

(para a parteira usar).

3. Cinco quadrados de gaze

(para limpar o períneo da mãe e os olhos do bebê). Os pedaços de gaze devem medir cerca de 10 × 10 centímetros.

4. Uma lâmina

(para cortar o cordão umbilical). Você pode comprar lâminas estéreis, embalados individualmente em uma farmácia ou comprar lâminas multiuso (muito mais baratas) em uma loja de ferragens. As mulheres são ensinadas a ferver as lâminas para a esterilização, para lâminas multiuso funciona muito bem.

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5. Três pedaços de barbante

(dois para amarrar o cordão umbilical e um de reserva). Cada pedaço de barbante deve ter cerca de 30 centímetros de comprimento.

6. Uma folha de plástico

(para que haja uma superfície limpa para o parto). Essa folha deve ser resistente e ter aproximadamente 1 × 1 metro e pode ser comprada em papelarias, lojas de ferragens ou de pintura.

7. Um saco plástico com fecho

(de tamanho suficiente para embalar os conteúdos).

Os kits pré-montados podem ser enviados para:

Adriel Brooker, Bloggers for Birth Kits, PO Box 6221, Townsville, Queensland, 4810, Australia.

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Para dúvidas adicionais, consultar sua página na http://themommyhoodmemos.com/2012/08/bloggers-for-birth-kits-faq.

Traduzido e adaptado por Stael Metzger do original Women helping women: How $2 can save mothers and babies lives, de Mercedes White.

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Mercedes White

Mercedes White tem mestrado em estudos islâmicos pela Universidade de Columbia e bacharelado em Ciências políticas pela Universidade de Alberta. Mora em Park City com o marido e escreve para o Deseret News.